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Gastropatia
Hipertensiva Portal |
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Dr. Stéfano Gonçalves Jorge
INTRODUÇÃO
Cerca de 100 anos
atrás, Osler (1898) descreveu o intumescimento crônico da mucosa gástrica
devido à hipertensão portal como uma causa de gastrite. Há 87 anos, Stadelman
(1913) descreveu varizes gástricas como conseqüência da hipertensão
portal.
Após o sangramento
por varizes, a mucosa gástrica é a fonte mais comum de sangramento do trato
gastrintestinal alto em pacientes com cirrose e hipertensão portal1-3.
A experiência do grupo de endoscopia digestiva do Gastrocentro – Unicamp
confirma os dados de literatura em nosso meio (tabela 1). No passado, o
sangramento gástrico mucoso nos pacientes portadores de doença hepática era
atribuído a uma ampla gama de lesões incluindo "gastrite
hemorrágica", "pontos vermelhos gástricos" ou "petéquias
gástricas"1-5. É agora reconhecido que lesões mucosas como
estas são muito comuns nos cirróticos e são manifestações de uma entidade
distinta agora conhecida como gastropatia hipertensiva portal5-7.
Tabela 1. Etiologia
do sangramento gastrintestinal alto agudo na Unicamp. |
Etiologia
do sangramento |
% |
Varizes
esofágicas |
60-65 |
Varizes
gástricas |
7 |
Gastropatia
hipertensiva portal |
5-8 |
Úlcera
péptica |
5 |
Causa
indeterminada |
10-15 |
ASPECTOS
ENDOSCÓPICOS
As alterações da
gastropatia hipertensiva portal são mais evidentes na mucosa do corpo e fundo
do estômago. Os aspectos endoscópicos incluem um padrão de eritema fino,
difuso e pontilhado, rash escarlatiniforme ou o padrão conhecido como
"pele de cobra" ou "mosaico", onde se observa áreas
avermelhadas, pequenas e poligonais delimitadas por bordas deprimidas e amarelo
claras5-8. A gastropatia severa é caracterizada pela presença de
pontos vermelho escuros ( "cherry red spots" ) e áreas de hemorragia
mucosa difusa ("gastrite hemorrágica")5,8. Em estudos
endoscópicos com grande amostragem de cirróticos assintomáticos, mais que 50
% apresentam sinais de gastropatia hipertensiva portal, sendo o achado mais
comum o padrão mosaico ou em pele de cobra no estômago proximal8,9.

Gastropatia
hipertensiva portal com aspecto característico de petéquias em antro
gástrico.
Gastropatia hipertensiva portal com
sangramento junto à grande curvatura gástrica.

Aspecto
característico em mosaico ou "pele de cobra".
Não há
correlação clara entre a severidade da gastropatia hipertensiva portal e o
calibre das varizes esofágicas, o grau de disfunção hepática ou o nível da
hipertensão portal5,8,20. Apesar de também ocorrer em pacientes com
trombose venosa portal extra-hepática, a gastropatia é encontrada menos
freqüentemente que naqueles com cirrose. A gastropatia hipertensiva portal é
mais comum naqueles pacientes submetidos a escleroterapia de varizes5,9,23,25.
Sarin, após estudar 967 pacientes submetidos a escleroterapia de varizes
encontrou 74% de gastropatia hipertensiva portal, um aumento significativo em
relação à freqüência antes da escleroterapia, de 26%31.
Gastropatia
hipertensiva portal com edema, áreas com padrão mosaico e red marks.
Em 1994, o NIEC (New Italian Endoscopic Club) propôs nova classificação para padronizar as
descrições da gastropatia hipertensiva portal10. A classificação
se baseia em 4 sinais endoscópicos elementares (tabela 2).
Classificação
da gastropatia hipertensiva portal ( Milão –1994 ) |
1. Padrão
mosaico ( mosaic-like pattern – MLP ), graduado como leve, moderado ou
severo |
2. Marcas
vermelhas ( red marks – RM ), que incluem lesões puntiformes vermelhas
( red point lesions – RPL ) e pontos vermelho cereja ( cherry red spots
– CRS ) |
3. Pontos
marrom escuros ( black Brown spots – BBS ) |
Manifestação severa
da gastropatia hipertensiva portal, observando-se grande quantidade de cherry
red spots.
FISIOPATOLOGIA
A fisiopatologia
dessa condição é incompletamente compreendida. O termo "gastrite"
foi usualmente utilizado para descrever o aspecto da mucosa gástrica no
cirrótico, mas as biópsias não costumam apresentar processo inflamatório5,11.
Os achados histológicos característicos são sugestivos de congestão
vascular, com dilatação e tortuosidade das veias submucosas, ectasia dos
capilares e veias mucosos5 e fibrose perivascular8,28-30.
Devido às alterações vasculares na gastropatia hipertensiva portal serem
predominantemente submucosas, biópsias profundas são necessárias para a
demonstração histológica.
Aumento do fluxo
sangüíneo gástrico total foi demonstrado na hipertensão portal experimental
e em pacientes portadores de gastropatia hipertensiva portal6,12,19.
Masuko e colaboradores18 demonstraram através de fluxometria doppler
o stress hemocinético da mucosa gástrica na gastropatia hipertensiva portal.
Tal achado pode ser explicado pela superprodução de óxido nítrico na
hipertensão portal21. As mudanças mucosas parecem resultar de uma
combinação do aumento do fluxo sangüíneo gástrico total, alterações na
distribuição do mesmo e estase como conseqüência do aumento da resistência
vascular portal e congestão venosa portal.
Essas alterações
vasculares são relacionadas a uma gama de disfunções da mucosa gástrica que
a predispõe a lesões por agentes como a aspirina, sais biliares e álcool6.
A atividade secretória gástrica está diminuída19. Um dos fatores
mais importantes para a aumentada sensibilidade da mucosa gástrica ao dano é
uma redução na resposta hiperêmica quando essa mucosa é exposta a agentes
irritantes21. Esta parece estar relacionada a uma redução na
produção de prostaglandinas e alteração na resposta microcirculatória ao
óxido nítrico. Uma vez que há lesão da mucosa gástrica, há aumento do
fluxo sangüíneo aumentando o risco de sangramento significativo. Não foi
encontrada associação entre a gastropatia hipertensiva portal e a infecção
da mucosa gástrica pelo Helicobacter pylori13.
ACHADOS
CLÍNICOS
A freqüência
descrita na qual a gastropatia hipertensiva portal se manifesta como hemorragia
gastrintestinal alta em pacientes cirróticos varia entre 10 e 50%. Esta ampla
variação pode ser explicada pela variação no momento em que a endoscopia é
realizada e na etiologia e gravidade da doença hepática nos diferentes estudos1-3,15,24.
Sangramento gástrico agudo normalmente ocorre naqueles pacientes com
gastropatia severa. O sangramento da mucosa gástrica hipertensiva portal
responde pobremente ao tratamento com bloqueadores H2, antiácidos ou
sucralfate9.

Gastropatia portal
severa com sangramento
O uso do propranolol
reduz sangramentos ativos, reduz o risco de sangramento e melhora o aspecto
endoscópico da gastropatia hipertensiva portal em cirróticos14,16.
O shunt portocava parece reduzir significativamente o risco de sangramento e é
um tratamento efetivo para o sangramento agudo provocado pela gastropatia
hipertensiva portal17,26, mas o procedimento está associado a um
considerável risco operatório e efeitos colaterais a longo prazo22.
Apesar de não haver estudos com grande casuística, vários relatos de caso
têm demonstrado a eficiência do shunt portossistêmico transjugular
intra-hepático (TIPS) nesses casos27.
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Artigo criado em 2002
Última revisão em: 2002
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